05/01/2012

Do amigo

“Um só me assedia sempre excessivamente (assim pensa o solitário). Um sempre acaba por fazer dois!”
 “Eu e Mim estão sempre em conversações incessantes.
 Como se poderia suportar isto se não houvesse um amigo?
 Para o solitário o amigo é sempre o terceiro; o terceiro é a válvula que impede a conservação dos outros dois de se abismarem nas profundidades.
Ai! Existem demasiadas profundidades para todos os solitários. 
Por isso aspiram a um amigo e à sua altura.
 A nossa fé nos outros revela aquilo que desejaríamos crer em nós mesmos. 
O nosso desejo de um amigo é o nosso delator.
E freqüentemente, como a amizade, apenas se quer saltar por cima da inveja. E freqüentemente atacamos e criamos inimigos para ocultar que nós mesmos somos atacáveis.
(...)
Serás tu para o teu amigo ar puro e soledade, pão e medicina? 
Há quem não possa desatar as suas próprias cadeias, e todavia seja salvador do amigo.
 És escravo? Então não podes ser amigo.
És tirano? Então não podes ter amigos.
Há demasiado tempo que se ocultavam na mulher um escravo e um tirano. Por isso a mulher ainda não é capaz de amizade; apenas conhece o amor.
 No amor da mulher há injustiça e cegueira para tudo quanto não ama. E mesmo o amor, reflexo da mulher, oculta sempre, a par da luz, a surpresa, o raio da noite.
 A mulher ainda não é capaz de amizade: as mulheres continuam sendo gatas e pássaros. Ou, melhor, vacas.
 A mulher ainda não é capaz de amizade. 
Mas dizei-me vós homens: qual de vós outros é, porventura, capaz de amizade?
Ai, homens! que pobreza e avareza a da vossa alma! Quando vós outros dais a vossos amigos eu quero dar também aos meus inimigos sem me tornar mais pobre por isso.
 Haja camaradagem. Haja amizade.”

Nietszche, in "Assim falava Zaratustra".

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